sábado, 4 de abril de 2009

Quando Ana chorou.

A melancolia entrava como um desfecho naquela tarde nublada. Ana acendeu um cigarro enquanto encontrava no rádio um blues meio assim; meio jazz, meio solidão.
Sentada no sofá, com seu hobbie florido que seu namorado havia lhe dado de presente de aniversário, sentia-se tão clichê quanto a sua mãe, sua avó, suas tias. Logo ela, tão Cult, cheia de ideologias pós-moderninhas – com seus comportamentos contemporâneos, e sua pose de “oh, não sofro, não choro por amor (sim, porque eles acabam sempre)”, “gosto da minha individualidade. Fique no seu quadrado, por favor...” e todos aqueles blá blá blás de mulher moderna independente do século XXI. Logo ela, chorava naquela tarde cinza, com seus cigarros, seu esmalte vermelho suas pitangas. Foi para mim uma descoberta inacreditável saber que Ana, a mulher pós-contemporânea, também chora pitangas. E por amor, diga-se de passagem! Nessa tarde mesmo Ana se pegou chorando por usar o hobbie florido que aquele namorado, o Marcel, tinha lhe dado de presente no seu aniversário. Era um hobbie lindíssimo e florido, que o próprio trouxe de bali na sua última viagem. Mas já faziam meses que ele havia dado. Cinco meses na verdade. E no dia do aniversário de Ana, quando ela abriu o hobbie, não gostou muito do que viu. O xingou; disse que ele não a conhecia; que só um homem do século passado mesmo para dar de presente a sua namorada algo tão brega e tão kitsch quanto um hobbie florido. Ah, ele nunca soube agradá-la. Nunca soube do que ela realmente gostava. Pois na frente das amigas moderninhas, Ana ouvia Artic Monkeys, e Amy winehouse; mas quando elas não estavam, ela pegava emprestado o hobbie florido da mãe e as pantufas cor-de-rosa, e com uma grande caneca de café e 2 carteiras de cigarro danava-se a ouvir Roberto Carlos. E ele a achava tão linda e confortável no hobbie florido da mãe, ela levitava em seu estado de graça. Vivia falando pela casa que o adorava. Então, em bali quando viajou para fazer pesquisas universitárias, a saudade de Ana quase matou o pobre rapaz. Ficavam na memória os momentos em que sentavam os dois, ela de hobbie florido e ele de camiseta e bermuda, ao lado da vitrola, para ouvir as canções do Roberto Carlos. E eram tantas! A saudade quase o matou nesses meses que passou longe de Ana. Mas caminhando pelas ruas daquele lugar, algo fizeram seus olhos brilharem: o hobbie florido! Igual a mãe de Ana! Perfeito presente para matar a saudade daqueles momentos a qual ele tinha tanto apreço. Comprou. E quando chegou ao Brasil portando o hobbie florido, decidiu lhe fazer uma surpresa, pois o aniversário de Ana se aproximava. Chegou em sua festinha radiante. Marcel, de sorriso tão florido quanto o hobbie, deu-lhe um beijo na nuca, deixou com que Ana conversasse com suas amigas, enquanto tirava de seu velho fusca azul turquesa, que havia sido de seu pai, o lindo presente para sua estimada namorada. Ana viu o pacote, não haviam escrito em português. Seus olhos brilhavam, como os de uma menina que ganha a primeira boneca. Rasgou sem dó o embrulho. E ele aguardava ansioso a reação dela ao seu presente, que lhe havia custado os últimos dólares que restavam para vários dias de viagem ainda. Mas para o transtorno do pobre rapaz, Ana mudou de feição. Disse que não gostara desse ridículo presente, e que só mesmo “um homem do século passado, que andara de fusca azul turquesa iria querer uma namorada de hobbie florido.” As amigas dela riram. Junto a elas, Ana dançou um tango argentino sobre o coração de Marcel. Pobre Marcel, que agora, saia sem despedir-se de Ana. Deixou o estimado hobbie florido caído ao chão, dessa vez sem sorrisos, sem saudades, e com uma velha canção do Roberto Carlos tocando no rádio do fusca turquesa. Naquele momento Ana soube, pelo olhar ferido de Marcel que ele nunca mais voltaria. Doeu nela, mas o show continuou (sempre continua, oras!) . E ela e suas amigas passaram a noite rindo do hobbie florido, tomando bordos e cabernet, falando de Fellini, Woody Allen, e Brigitte Bardot. Mas a festa acabou (sempre acaba.), e no meio da limpeza, Ana recolheu do chão o maldito hobbie florido que ela tanto tinha zombado. Jogou em um canto qualquer. Passaram-se 5 meses após aquele dia. E todos os dias, Ana chorava na calada da noite a falta que fazia o ronco barulhento do fusca de Marcel, quando ele chegara a porta de sua casa. Ah, quanta falta fazia a compainha dele ao som das canções do Roberto Carlos (que para ela, secretamente, era o rei, Roberto Carlos)! Ela chorou todas as noites sem que ninguém percebesse ou visse. Aos que perguntavam sobre a ausência de Marcel, ela apenas dizia que ele resolveu partir. Ela disfarçava absolutamente bem os efeitos colaterais dessas perguntas inesperadas. Pedia educadamente para usar o toillet, e segurava o choro até chegar lá. 10 minutos depois inventava uma desculpa, ia para casa. Suas amigas reclamavam de que ela não mais saia, não mais falava do Woody Allen e nem da Brigitte Bardot. Evitava sair ou ficar em casa vendo os “happy endings” do Clarck Gable. Cinco meses, e o telefone não tocava. Pobre Ana. A ela só a solidão agora servia de herança. E de tanto fugir de si mesma, naquela tarde cinzenta de julho ela não resistiu. Tirou do armário o velho hobbie florido. Ligou o rádio. E mesmo evitando o rei Roberto, uma bandinha Cult dessas que surgem 24 horas no século XXI tocava a versão da música predileta do Marcel, aquele rapaz do fusca azul turquesa no qual ela insistia em fingir não lembrar. “as canções que você fez pra mim”. Sentou-se ao sofá, imaginando-se invisível naquele momento. E de hobbie florido, e unhas vermelho metálico pós-moderno, ela tirou do maço um cigarro. O acendeu. “...quantas vezes você disse que me amava tanto, quantas vezes enxuguei o seu pranto; agora eu choro só sem ter você aqui...” e foi essa a primeira vez que eu vi Ana chorar. E não foi o fato de vê-la chorando que me levou a escrever esse conto; mas é que pela primeira vez, Ana perdeu o medo de ser brega ou clichê, e foi ser quem ela realmente é.

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sábado, 4 de abril de 2009

Quando Ana chorou.

A melancolia entrava como um desfecho naquela tarde nublada. Ana acendeu um cigarro enquanto encontrava no rádio um blues meio assim; meio jazz, meio solidão.
Sentada no sofá, com seu hobbie florido que seu namorado havia lhe dado de presente de aniversário, sentia-se tão clichê quanto a sua mãe, sua avó, suas tias. Logo ela, tão Cult, cheia de ideologias pós-moderninhas – com seus comportamentos contemporâneos, e sua pose de “oh, não sofro, não choro por amor (sim, porque eles acabam sempre)”, “gosto da minha individualidade. Fique no seu quadrado, por favor...” e todos aqueles blá blá blás de mulher moderna independente do século XXI. Logo ela, chorava naquela tarde cinza, com seus cigarros, seu esmalte vermelho suas pitangas. Foi para mim uma descoberta inacreditável saber que Ana, a mulher pós-contemporânea, também chora pitangas. E por amor, diga-se de passagem! Nessa tarde mesmo Ana se pegou chorando por usar o hobbie florido que aquele namorado, o Marcel, tinha lhe dado de presente no seu aniversário. Era um hobbie lindíssimo e florido, que o próprio trouxe de bali na sua última viagem. Mas já faziam meses que ele havia dado. Cinco meses na verdade. E no dia do aniversário de Ana, quando ela abriu o hobbie, não gostou muito do que viu. O xingou; disse que ele não a conhecia; que só um homem do século passado mesmo para dar de presente a sua namorada algo tão brega e tão kitsch quanto um hobbie florido. Ah, ele nunca soube agradá-la. Nunca soube do que ela realmente gostava. Pois na frente das amigas moderninhas, Ana ouvia Artic Monkeys, e Amy winehouse; mas quando elas não estavam, ela pegava emprestado o hobbie florido da mãe e as pantufas cor-de-rosa, e com uma grande caneca de café e 2 carteiras de cigarro danava-se a ouvir Roberto Carlos. E ele a achava tão linda e confortável no hobbie florido da mãe, ela levitava em seu estado de graça. Vivia falando pela casa que o adorava. Então, em bali quando viajou para fazer pesquisas universitárias, a saudade de Ana quase matou o pobre rapaz. Ficavam na memória os momentos em que sentavam os dois, ela de hobbie florido e ele de camiseta e bermuda, ao lado da vitrola, para ouvir as canções do Roberto Carlos. E eram tantas! A saudade quase o matou nesses meses que passou longe de Ana. Mas caminhando pelas ruas daquele lugar, algo fizeram seus olhos brilharem: o hobbie florido! Igual a mãe de Ana! Perfeito presente para matar a saudade daqueles momentos a qual ele tinha tanto apreço. Comprou. E quando chegou ao Brasil portando o hobbie florido, decidiu lhe fazer uma surpresa, pois o aniversário de Ana se aproximava. Chegou em sua festinha radiante. Marcel, de sorriso tão florido quanto o hobbie, deu-lhe um beijo na nuca, deixou com que Ana conversasse com suas amigas, enquanto tirava de seu velho fusca azul turquesa, que havia sido de seu pai, o lindo presente para sua estimada namorada. Ana viu o pacote, não haviam escrito em português. Seus olhos brilhavam, como os de uma menina que ganha a primeira boneca. Rasgou sem dó o embrulho. E ele aguardava ansioso a reação dela ao seu presente, que lhe havia custado os últimos dólares que restavam para vários dias de viagem ainda. Mas para o transtorno do pobre rapaz, Ana mudou de feição. Disse que não gostara desse ridículo presente, e que só mesmo “um homem do século passado, que andara de fusca azul turquesa iria querer uma namorada de hobbie florido.” As amigas dela riram. Junto a elas, Ana dançou um tango argentino sobre o coração de Marcel. Pobre Marcel, que agora, saia sem despedir-se de Ana. Deixou o estimado hobbie florido caído ao chão, dessa vez sem sorrisos, sem saudades, e com uma velha canção do Roberto Carlos tocando no rádio do fusca turquesa. Naquele momento Ana soube, pelo olhar ferido de Marcel que ele nunca mais voltaria. Doeu nela, mas o show continuou (sempre continua, oras!) . E ela e suas amigas passaram a noite rindo do hobbie florido, tomando bordos e cabernet, falando de Fellini, Woody Allen, e Brigitte Bardot. Mas a festa acabou (sempre acaba.), e no meio da limpeza, Ana recolheu do chão o maldito hobbie florido que ela tanto tinha zombado. Jogou em um canto qualquer. Passaram-se 5 meses após aquele dia. E todos os dias, Ana chorava na calada da noite a falta que fazia o ronco barulhento do fusca de Marcel, quando ele chegara a porta de sua casa. Ah, quanta falta fazia a compainha dele ao som das canções do Roberto Carlos (que para ela, secretamente, era o rei, Roberto Carlos)! Ela chorou todas as noites sem que ninguém percebesse ou visse. Aos que perguntavam sobre a ausência de Marcel, ela apenas dizia que ele resolveu partir. Ela disfarçava absolutamente bem os efeitos colaterais dessas perguntas inesperadas. Pedia educadamente para usar o toillet, e segurava o choro até chegar lá. 10 minutos depois inventava uma desculpa, ia para casa. Suas amigas reclamavam de que ela não mais saia, não mais falava do Woody Allen e nem da Brigitte Bardot. Evitava sair ou ficar em casa vendo os “happy endings” do Clarck Gable. Cinco meses, e o telefone não tocava. Pobre Ana. A ela só a solidão agora servia de herança. E de tanto fugir de si mesma, naquela tarde cinzenta de julho ela não resistiu. Tirou do armário o velho hobbie florido. Ligou o rádio. E mesmo evitando o rei Roberto, uma bandinha Cult dessas que surgem 24 horas no século XXI tocava a versão da música predileta do Marcel, aquele rapaz do fusca azul turquesa no qual ela insistia em fingir não lembrar. “as canções que você fez pra mim”. Sentou-se ao sofá, imaginando-se invisível naquele momento. E de hobbie florido, e unhas vermelho metálico pós-moderno, ela tirou do maço um cigarro. O acendeu. “...quantas vezes você disse que me amava tanto, quantas vezes enxuguei o seu pranto; agora eu choro só sem ter você aqui...” e foi essa a primeira vez que eu vi Ana chorar. E não foi o fato de vê-la chorando que me levou a escrever esse conto; mas é que pela primeira vez, Ana perdeu o medo de ser brega ou clichê, e foi ser quem ela realmente é.

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